Voltei porque senti dor, e é na dor que me reconheço.
Passei a adolescência
me sentindo só e lendo Clarice Lispector.
A paixão segundo GH, uma barata de companhia. Um barato!
Antes, me aventurei um pouco com Neruda. Cem sonetos de amor. Peguei
emprestado na biblioteca e foi duro devolver. Mas pensei que alguém poderia ter contato com o livro, além de mim.
Professora da 1° série nos ensinando a cantar “garota de Ipanema”
para homenagear as mães.
A homenagem na 3° foi com "soneto de fidelidade". Treinava em
casa, feliz, achando lindo e sem entender.
Cinema sobre a vida de Vinicius de Moraes, lá no SESC restaurante, acredito que na 3° série também. Primeira vez
que fui ao cinema. Achei lindo. Vinicius, cinema. Sabia lá quem era ele e sua
importância. Mas como criança, o que eu gostava mais era de “A arca de Noé”, um livro que reunia poemas de Vinicius, voltado para o público infantil. Era
meu livro de cabeceira. Eu não me importava com a importância do nome das
pessoas. Enfiei na cabeça que Tom Jobim
era um chocolate bis. Pra mim eram personagens de uma história, mas sem aquelas ilustrações de sempre. Personagem feito de música. Acho que sim.
Professora um dia nos levou pra uma salinha, acho que estava
na 1° ou 2° série. Pediu pra que
deitássemos naquele colchonete pequeno e azul, fechássemos os olhos, e imaginássemos
algo enquanto tocava aquarela. Foi lindo... Não lembro ter contado pra alguém.
Mas foi um momento mágico. Senti o cheiro do céu. Lambi cores. Posso
sentir agora a mesma sensação de quando
acabou a música e abri os olhos.
Dançava e cantava
errado aquarela do Brasil. A plateia era meu pai, que morria de rir.
Era louca pra participar das quadrilhas de São João na
escola. Mas não podia. Tinha uma família muito religiosa, que não permitia que
eu fosse. Mas eu ficava feliz em participar do primeiro ensaio. Depois
voltava a tristeza: precisava dizer a professora que não podia participar. Acho
que minha mãe era influenciada. Meu pai não era religioso, e foi dele que tive
maior influência musical.
14 anos, cruzava as pernas,
bebendo guaraná. Ouvindo Chico. Chorava... Quantos homens me amaram, bem mais e melhor
que você? Ai, amores platônicos.
Comecei a ser mais densa. Sei lá, 8 ou 800. Estranha. Todos
olhavam. Estranha. Queria amor revolucionário. Bicho grilo. Cuba. Meu primeiro porre de vinho por dois amores. Paixão. Devaneios..
Primeiros casinhos. Curto circuito. Ai, tristeza, ai desdita! Melhor era mesmo
imaginar.
Enlouqueci, cantei, deprimi. Flor de lótus na sarjeta, poeta
torto. 1 milhão de cartas, um milhão de versos numa mala velha. Eu sei que vou
te amar do Arnaldo Jabor. Amor livre. Ame e dê vexame. Ou exagerado, jogado aos
teus pés. Fui tantas.
Vai, amor, me deixa. Mesmo que eu me agarre na tua cintura.
Eu estou te deixando ir. Eu tô... Você está me deixando.
Jorra esse sangue. Bebe em outras bocas. Sai de mim. Tira a tua nuca. Me alimenta de nuncas.
Vai. Ouço “atrás da porta” de Chico. Mas prometi que nunca
iria me arrastar. Talvez por orgulho, talvez por preguiça, talvez porque o
coração já estivesse debruçado demais.
Queria dizer: Vinícius, hoje entendo “que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.”. Também conheci
ternura, ausência e dialética. É tão lindo, poetinha, mas dói.
Voltei porque senti saudades, e é na saudade que me
reconheço.
Voltei porque sinto...